sábado, 4 de junho de 2016

Coração de Jesus, Cheio de Ciência e Sabedoria

A invocação completa é: "Coração de Jesus, no qual estão todos os tesouros da sabedoria e da ciência, tende piedade de nós", extraída da Epístola de São Paulo aos Colossenses (2,3).

Meditação de São  João Paulo II:
1. Essa invocação da ladainha do Sagrado Coração, tirada da Carta aos Colossenses (2,3), faz-nos compreender a necessidade de ir ao Coração de Cristo para entrar na plenitude de Deus. 
2. A ciência em questão não é a ciência que incha (1Cor 8,2), fundada no poder humano; é a ciência divina, mistério oculto há séculos no pensamento de Deus, criador do universo (Ef 3,9). É uma ciência nova escondida aos sábios e aos inteligentes deste mundo, mas revelada aos pequenos (Mt 11,25), ricos em humildade, simplicidade, pureza de coração. 
Esta ciência e esta sabedoria consistem no conhecimento do Deus invisível, que convida os homens a participar de sua natureza divina e os admite à comunhão com ele. 
3. Sabemos essas coisas porque Deus se dignou revelá-las a nós por seu Filho, sabedoria de Deus (1Cor 1,24). Foi nele e por ele que foram criadas todas as coisas no céu e na terra (Cl 1,16). A sabedoria de Cristo é mais elevada que a de Salomão (Lc 11,31). Suas riquezas são insondáveis (Ef 3,8). Seu amor ultrapassa todo conhecimento. Mas pela fé temos o poder de compreender, com todos os santos, a largura, o comprimento, a altura e a profundidade desse amor (Ef 3,18).Ao conhecer Jesus, conhecemos também a Deus. Quem me vê vê o Pai (Jo 14,9). Por ele, o amor de Deus foi derramado em nossos corações (Rm 5,5). 
4. A ciência humana é como água de nossas fontes. Quem dela bebe ainda terá sede. Já a sabedoria e a ciência de Jesus abrem os olhos do espírito, tocam o coração na profundeza do ser e conduzem o homem para o amor transcendente. Libertam das trevas do erro, das manchas do pecado, do perigo da morte e levam à plenitude da comunhão dos bens divinos, que superam a compreensão do espírito humano (Dei Verbum). 
5. Pela sabedoria e ciência de Jesus, estamos enraizados e fundados na caridade (Ef 3,17). Assim se forma o homem novo, interior, que põe a Deus no centro de sua vida e a si mesmo ao serviço dos irmãos. 
Esse foi o grau de perfeição que Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, atingiu. Ele é exemplo único de criatura nova, enriquecida com a plenitude da graça e pronta para cumprir a vontade de Deus: "Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a Tua palavra". Nós a invocamos como "Trono da Sabedoria". 
Recitando o Angelus, pedimos que nos faça semelhantes a ele e a seu Filho. (Angelus - 1 de setembro de 1985).

Escreve o Padre Paschoal Rangel:
A ciência, dom de Deus, pode tornar-se por nossa fragilidade um instrumento de recusa de Deus. A Escritura fala muitas vezes dessa falsa ciência. "Tua ciência te seduziu", te perverteu, diz o oráculo do Segundo Isaías contra a Babilônia, a cheia de si, a que pensava que sabia tudo e não tinha igual (Is 47,10). São Paulo ensina, escrevendo aos Coríntios: 'A ciência infla  [enche de vento]; é a caridade que constrói [edifica, dá solidez, substância]" (1Cor 8,1). 
Mas há uma verdadeira ciência, que vem de Deus: "O Senhor é o Deus das ciências" (!Sm 2,3), o que, na verdade, significa: o Senhor é um Deus cheio de saber. Mas esse Deus das ciências, esse Deus cheio de saber é também aquele que ensina aos homens a ciência e que nos faz saber as coisas do mundo e da vida como de fato elas são. 
Certamente que, na base dessa ciência que vem de Deus, está a fé, A fé que abre dimensões novas para nossa inteligência e faz ver as coisas do ponto de vista de Deus. Mais: a fé permite-nos "ouvir" o que o Senhor diz a respeito das coisas. Como escreveu Santo Tomás de Aquino: "Creio em tudo o que disse o Filho de Deus". Se alguém crê, pode contar com o testemunho de Deus: "Aquele que crê no Filho de Deus tem o testemunho de Deus em si" (1Jo 5,10). O próprio Deus nos garante por uma certeza que vem de dentro e nos dá uma enorme segurança interior: "tem o testemunho de Deus em si". E este testemunho interior de Deus nos inclina a aceitar a palavra de Jesus, da Igreja, das Escrituras. 
Não obstante isto, porém, a fé é uma experiência sobrenatural do homem que está a caminho e não do que já aportou no Coração de Deus. A fé implica sempre alguma obscuridade, um claro-escuro espiritual. Santo Tomás de Aquino a ligava, não à duvida, é claro, mas a uma possível "agitação". Ele falava em "cogitatio", que é uma forma contracta de "coagitatio", que inclui uma espécie de "agitação", uma certa "agonia" (luta) que vem do encontro humanamente chocante da "certeza do inevidente". 
O homem de fé sente muitas vezes necessidade de ser sustentado por uma força espiritual superior. Para isto existe o "dom da Ciência", dom do Espírito Santo, que nos é comunicado exatamente para suplementar a nossa frágil fé. Um dom que nos introduz, como disse alguém, "no coração do mistério", que nos faz sentir intimamente, sem sombra de incerteza, o que são e o que valem as criaturas de Deus diante do Criador.Mais que ninguém, Jesus possuiu esse dom do Espírito Santo, que era o seu Espírito. O Evangelho está cheio de sinais dessa ciência divina no Coração de Cristo. Com que olhar profundo e sobrenatural ele olhava a terra, os pássaros, os trigais, os sinais do céu, as árvores, o mar... os homens. 
E é essa ciência, com todos os seus tesouros, que nós imploramos aqui ao Coração de Jesus, que infunda em nossos corações.
O mesmo Padre Paschoal (1993), pergunta-se: o que é que a "sabedoria" pode acrescentar à "ciência"?
A sabedoria acrescenta à ciência um "sabor" intelectual, que faz as coisas conhecidas se tornarem coisas "experiencializadas", diríamos, "saboreadas". O verbo "saber", ao contrário do "conhecer", significava no velho português "ter gosto de".... 
Mas além da sabedoria humana, que já tão grande, podemos pensar na sabedoria que vem de Deus como um dom do Espírito Santo, e que está ligada à fé. Dizem os autores que essa é "a suprema região acessível à nossa inteligência, aqui na terra", a mais completa perfeição da própria fé. Aqui, a natural obscuridade que circunda a fé comum, praticamente desaparece, atravessada pelo clarão da Luz divina. Seria uma aplicação do Salmo 138(139): "Posso até pedir que a escuridão me envolva todo e a claridade do dia se mude em noite. Mesmo as trevas não são escuras para ti, e a noite é tão clara quanto o dia. 
O homem envolvido pelo dom da sabedoria, vê na luz de Deus. "Toda sabedoria vem do Senhor" (Eclo 1,1). "É Ele quem dá aos sábios a sabedoria" (Dn 2,21). O Eclesiástico acaba pondo na boca da sabedoria esta palavra: "Eu saí da boca do Altíssimo" (Eclo 24,5). A Sabedoria é, assim, Verbo de Deus, a Palavra que sai da boca do Altíssimo. 
E esta Sabedoria é o Cristo, como escreveu São Paulo: "Nós pregamos a Cristo crucificado... Cristo, virtude de Deus; Cristo sabedoria de Deus" (1Cor 1,24). Sabedoria encarnada, que veio a nós no mistério. 
O mistério pode ser um claro-escuro para o intelecto humano. Nossa inteligência, com efeito, só se sente à vontade na luz, na claridade das evidências. A estas ela procura com certa ansiedade até. Mas, já o recordava Tomás de Aquino, o sábio tem duas espécies de sabedoria, correspondentes a duas formas diversas de julgar. Podemos julgar, discernir, por uma espécie de "simpatia", de "inclinação" para o objeto de julgamento; e a este tipo de juízo ou conhecimento, Santo Tomás chama de "conhecimento por co-naturalidade". Ou então, fazemos nossos julgamentos a partir de princípios de ordem racional, com critérios tirados da "ciência moral". 
Nas coisas de Deus, continua o Santo Doutor, o conhecimento por simpatia, por co-naturalidade, corresponde ao dom da sabedoria. É um conhecimento que vai além das evidências racionais, que independe delas, algo como aquela noite do salmista, que é clara como o dia. Santa Teresa disse uma vez; "Sinto tanto maior devoção e amor para com os mistérios, quanto mais obscuros eles são". 
Pois bem, no Coração de Jesus, "estão todos os tesouros da sabedoria e da ciência". Se penetrarmos nele, se nele nos esforçamos por pensar, amar, viver, certamente participaremos desses tesouros de sabedoria e ciência, sem os quais nossa inteligência fica tão pequenina. 
Venha a nós, Senhor, a vossa fervorosa sabedoria. Amém.



Notas:

RANGEL, Paschoal. Sagrado Coração do Homem. Belo Horizonte: O Lutador, 1993.

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