sábado, 4 de junho de 2016

Coração de Jesus, Esperança dos que Morrem em Vós

Pois isto vos declaramos, segundo a palavra do Senhor: que os vivos, os que ainda estivermos aqui para a Vinda do Senhor, não passaremos à frente dos que morreram. (1Ts 4,15)

Escreve o Padre Paschoal Rangel:
"Cor Jesu, spes in morientium...". A tradução usual diz: "Coração de Jesus, esperança dos que expiram em Vós". A invocação refere-se evidentemente a uma palavra bíblica muitas vezes repetida: "morrer no Senhor", "adormecer em Cristo", e completa a bonita invocação anterior: "Coração de Jesus, salvação dos que em Vós esperam". Jesus é salvação para todos os que "comorrem" com Ele, ou melhor, nele vivem e nele morrem. Há tamanha comunhão entre o cristão e Cristo, que tudo, no cristão, é de Cristo e com Cristo: a vida, o viver, mas até a morte e o morrer.Dom Anscário Vonier, autor forrado de teologia séria, estudou aprofundadamente em seu livro, "Espírito Cristão", três textos paulinos sobre o sentido da morte, que vale a pena recordar. O sentido paulino da mortes, segundo Dom Vonier, constitui um dos elementos mais notáveis do "espírito cristão", elemento original, inencontrável em qualquer outra religião ou em qualquer filosofia anterior ao Evangelho. Para São Paulo, Jesus Cristo, não apenas vencer a morte e lhe embotou o aguilhão, mas aboliu a diferença que existia entre a vida e a morte. "Pois nenhum de nós vive para si mesmo, nem morre para si mesmo, Porque, se vivemos, vivemos para o Senhor; se morremos, morremos para o Senhor. Logo, quer vivamos, quer morramos, somos do Senhor. Foi para isso que o Cristo morreu e ressuscitou, para ser o Senhor dos vivos e dos mortos". (Rm 14,7-9). 
Segundo a doutrina cristã, a gente vive, mas já não somos nós que vivemos, em verdade, é Cristo que vive em nós (Gl 2,20). "A morte do cristão é uma associação ao adorável mistério da morte de Cristo", e esta morte não foi destruição, derrota, negatividade, mas um ato de amor e entrega um passo para a ressurreição, para a vitória definitiva: "Onde está, ó morte a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?" (1Cor 15,55). Usando a seu jeito, a apóstrofe do Profeta Oséias (13,14), e conferindo-lhe um sentido de desafio, Paulo mostra que a morte, em regime de cristianismo, perdeu seu poder de ruptura e humilhação, foi transfigurada em Cristo e, tal como a vida, se transformou em "um dom, que o homem deve oferecer a Cristo" e ao Pai. 
Toda a questão é "morrer no Senhor". Se conseguimos isto, se nos abrimos ao dom da morte em Cristo, não há o que temer. Até a morte louva o Senhor. A devoção ao Coração de Jesus acrescenta a isso um elemento novo de esperança: o amor de Cristo por nós, expresso em seu Coração aberto na Cruz salvadora, acompanha o cristão até o fim, garante-lhe a proteção necessária para a penitência e a perseverança final, que abre o caminho para a Vida.Por isso mesmo, ó Cristo, sois a "esperança do que em vós expiram".
Meditação de São João Paulo II:

1. A recente comemoração de todos os fiéis defuntos convida-nos hoje a considerar, à luz da fé e da esperança, a mor do cristão, a propósito da qual a ladainha do Sagrado Coração nos faz pronunciar a invocação: "Coração de Jesus, esperança dos que morrem em vós, tende piedade de nós".
A morte faz parte de nossa condição humana. É o momento final da fase histórica da vida. Para a fé cristã, é uma passagem: da luz criada para a luz incriada, da vida temporal para a vida eterna.
Se o Coração de Cristo é a fonte em que o cristão encontra luz e energia para viver como o filho de Deus, para que outra fonte ele se voltaria a fim de encontrar a força de morrer na coerência de sua fé? Como ele "vive em Cristo", também só pode "morrer em Cristo".
A invocação da ladainha resume a experiência cristã diante do acontecimento da morte. O Coração de Cristo, seu amor e sua misericórdia são uma esperança e uma segurança para quem nele morre.

2. Mas o que significa "morrer em Cristo"? Antes de tudo, caros irmãos e irmãs, significa ler o acontecimento doloroso e misterioso da morte à luz do ensino do Filho de Deus. Vê-lo como o momento da partida para a casa do Pai, onde Jesus, tendo passado também pela morte, foi preparar um lugar para nós (Jo 14,2). Significa acreditar que, apesar da decomposição de nosso corpo, a morte é premissa de vida e de frutos abundantes (Jo 12,24).
"Morrer em Cristo" significa, ademais, confiar em Cristo e a ele se entregar totalmente, depositando em suas mãos - de irmão, de amigo, de bom pastor - seu próprio destino, como ele que ao morrer entregou seu espírito nas mãos do Pai (Lc 23,46). Significa fechar os olhos à luz deste mundo na paz, na amizade, na comunhão com Jesus, porque nada, "nem a morte nem a vida... poderá nos separar do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor" (Rm 8,38-39). Nessa hora suprema, o cristão sabe que, mesmo que seu coração lhe recrimine as faltas, o Coração de Jesus é maior que o seu e poderá apagar qualquer pecado, se estiver arrependido (1Jo 3,10).

3. "Morrer em Cristo" significa igualmente, caros irmãos e irmãs, munir-se dos "sinais sagrados" da "passagem pascal" para esse momento decisivo: o sacramento da penitência que nos reconcilia com o Pai e com todas as criaturas; o santo viático, pão de vida e fonte de imortalidade; a unção dos enfermos que dá vigor ao corpo e ao espírito para o combate supremo.
Enfim, "morrer em Cristo" significa "morrer como o Cristo morreu": rezando e perdoando, tendo a seu lado a bem-aventurada Virgem. Enquanto mãe, estava ao pé da cruz de seu Filho (Jo 19,35). Mãe, ela está ao lado de seus filhos agonizantes, ela que com o sacrifício de seu coração cooperou para fazê-los nascer para a vida da graça (Lumem Gentium, 53). Ela está ao lado deles, presença maternal cheia de compaixão, para que na passagem da morte nasçam para a vida da glória.
(Angelus - 5 de novembro de 1989) 

Notas:

RANGEL, Paschoal. Sagrado Coração do Homem. Belo Horizonte: O Lutador, 1993.

Nenhum comentário:

Postar um comentário