sábado, 4 de junho de 2016

Coração de Jesus - Filho Eterno do Pai

"E vós, quem dizeis que eu sou?" Simão Pedro, respondendo, disse: "Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo". (Mt 16,16) 
Levanta-te, ó alma amiga de Cristo. Não cesses a tua vigília, cole seus lábios neste Coração para aí haurires as águas das fontes do Salvador. (São Boaventura)

O Papa São João Paulo II empreendeu uma série de reflexões sobre a Ladainha do Sagrado Coração de Jesus, normalmente durante as alocuções do Angelus, entre o dia 2 de junho de 1985 e 12 de novembro de 1989. A primeira delas, referiu-se a esta invocação, Coração de Jesus, Filho Eterno do Pai:

1. Hoje, primeiro domingo do mês de junho, a Igreja encontra no Coração de Cristo o acesso a Deus que é a Santíssima Trindade. Ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Esse Deus, uno e trino ao mesmo tempo, é um mistério inefável da fé.Ele “habita em uma luz inacessível” (1Tm 6,16). Ao mesmo tempo, Deus infinito permite que o abrace o Coração desse homem cujo nome é Jesus de Nazaré: Jesus Cristo. E, por meio do Coração do Filho, Deus Pai aproxima-se também de nossos corações e vem até nós.
Cada um de nós foi batizado em “nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. Cada um foi imerso, desde o princípio, no Deus uno e trino, no Deus vivo e vivificante. Nós proclamamos esse Deus como Espírito Santo que, procedendo do Pai e do Filho, “dá a vida”. 
2. O Coração de Jesus foi “formado pelo Espírito Santo no seio da Virgem Mãe”. O Deus que “dá a vida”, que “se entrega ao homem”, começou a obra de sua economia salvífica fazendo-se homem.É precisamente em sua concepção virginal e em seu nascimento de Maria que tem início seu coração humano “formado pelo Espírito Santo no seio da Virgem Mãe”. Queremos venerar esse Coração durante o mês de junho. A ele queremos hoje confiar nossos pobres corações humanos, corações provados de diversas maneira, oprimidos de muitos modos mas, ao mesmo tempo, confiantes no poder de Deus e no poder salvífico da Santíssima Trindade! 
3. Maria, Virgem Mãe, que melhor que nós conheces o Coração de teu Filho, fica conosco, hoje, na adoração da Santíssima Trindade, e em nossa humilde oração pela Igreja e pelo mundo! 
Somente tu sejas a guia de nossa oração.
(São João Paulo II:  Angelus  de 2 de junho de 1985) 


O Padre Paschoal Rangel - num livro belíssimo, já citado - escreveu:

As três primeiras invocações da Ladainha do Sagrado Coração de Jesus falam das relações dele com as três pessoas da Santíssima Trindade: Coração de Jesus, Filho do Pai Eterno; Coração de Jesus, formado no Espírito Santo no seio da Virgem Maria; Coração de Jesus, unido substancialmente ao Verbo de Deus.Uma primeira observação: a Ladainha atual, aprovada pela Santa Sé, se baseia substancialmente, como já lembramos, na do Pe Croiset (1691), com suas 33 invocações em homenagem aos 33 anos da vida de Jesus, abrangendo todos os seus mistérios, da Encarnação e concepção virginal à morte, ressurreição e glorificação. Fica evidente que, para a Igreja que aprova o culto do Coração de Jesus, este "Coração" é muito mais que um órgão fisiológico.
 [Sobre os sentidos do termo coração ver: O Coração nas Sagradas Escrituras]. 
Como nota o Pe. K. Rahner, "o objeto verdadeiro e adequado da devoção ao Sagrado Coração é sempre a pessoa do Senhor". Tanto que o Coração de Jesus é Filho do Pai Eterno, formado pelo Espírito Santo, substancialmente unido ao Verbo. "Coração", aqui, significa o centro de sua personalidade, "centro corpório, psíquico e esperitual" (Rahner) da sua  humanidade, unida à divindade da Pessoa única do Verbo. Por isso, ele merece nossa adoração. Por isso, nós o invocamos, pedindo: "Tende piedade de nós". 
Evidentemente, não é a parte do corpo de Jesus que estamos pedindo que tenha piedade de nós, mas à sua Pessoa, cujo amor misericordioso e redentor o coração representa e simboliza. 
Quando o povo repete com fé essa invocação: "Coração de Jesus... tende piedade de nós", está-se colocando diante de Deus "rico em misericórdia", cujo íntimo mais íntimo é todo perdão, vontade de estar conosco, para purificar-nos, ajudar-nos. Essa prece devia ser um ato de fé, esperança e amor muito forte de nossa parte. Um ato a não banalizar. Talvez, como acha, aliás, Pe. Rahner, este seja um ato que deveríamos realizar com discrição e sobriedade, sem o ficar repetindo a toda hora, sem mais nem quê, a fim de não o desgastar pela rotina. Claro que podemos resguardar a sua genuinidade e força original, se mantivermos o cuidado de revitalizá-lo, a cada vez, ao contato com nossa "verdade", nossa autenticidade originante, fontal. Tentar dizer as coisas sempre como da primeira vez - eis uma regra de ouro da espiritualidade.Esse Coração de Jesus que invocamos é, antes de tudo, coração de Filho. Descobrir, cada vez que repetimos a fórmula, esta essencial "filialidade". Já os Padres [Padres da Igreja] diziam a respeito de Deus: "Tam Pater, nemo" (Ninguém é tão pai). Por isso mesmo, "ninguém é tão filho", quanto o Filho desse Pai. Nele se concentra e realiza toda a filialidade possível. Filho do Pai Eterno, Filho eterno no Pai, ensinai-nos a ser filhos também, intensamente. 
A riqueza dessa invocação nos obriga a continuar a meditá-la, Jesus é, antes e acima de tudo, o Filho. A Epístola aos Hebreus se inicia mostrando que Deus nos falou por seu Filho (aliás, de algum modo, sempre tinha falado por Ele, que é sua Palavra: Verbum, Logos). "Ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar" (Mt 11,27). Por isso mesmo, Santo Epifânio pôde atribuir a Cristo este ágrafon: "Aquele que falava nos profetas, era eu. Eis-me aqui". (Cf Is 52, 6).E esse Filho é especial: "herdeiro de todas as coisas, aquele por quem (Deus) fez o mundo" (Hb 1,2). Mais ainda: está incomparavelmente acima dos anjos, "pois a qual dos anjos Deus disse jamais: "Tu és meu Filho, eu hoje te gerei"?. Ou ainda: "Eu lhe serei Pai, e ele me será Filho"? Ou a qual dos anjos ele disse algum dia: "Senta-te à minha direita, e eu reduzirei os teus inimigos a escabelo de teus pés"? (Hb 1, 5; 13).Jesus é, pois, o Filho: o Filho queridíssimo, a alegria de seu Pai (Mt 3,17; 17,5; 2P 1,17); mas também o Filho que ama o Pai acima de tudo e faz sempre e em tudo a sua vontade. (Jo 8,9: "Faço sempre o que lhe agrada"; Jo 4,34: "O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou").Era por isso que Jesus gostava de passar as noites "na oração de Deus" (Lc 6,12). Era um como aninhar-se do Filho no coração, no colo do Pai (Jo 1,18). É um gesto que se explica pelo carinho com que Jesus fala do Pai. Só mesmo Ele teve essa coragem, que vem do amor filial, de usar o termo aramaico "Abbá", quando se referia a Deus. Segundo os exegetas, a tradução mais aproximada do vocábulo seria "Papai". De qualquer modo, a palavra indica uma intimidade cheia de ternura, que revela "verba verbi", isto é, que estas são Palavras da Palavra, quer dizer, filialidade do Filho que conhecia as entranhas do coração do Pai. 
Essas coisas explicam as expressões do Credo Neceno-Constantipolitano: "Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus saído de Deus, luz que brota da luz; Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado, consubstancial ao Pai, por quem foram feitas todas as coisas".Há todo um problema de vocabulário e de conceitos muitos técnicos nessas expressões. Mas o que se pretende passar, com todas as limitações da linguagem humana para dizer as coisas divinas é que, no princípio, antes de todo princípio, desde sempre, o Pai, começo sem começo de todas as coisas, originou o Filho num ato misterioso de amor fecundo e virginal. Melhor ainda: o Pai não originou o Filho, como se se tratasse de um ato realizado uma vez por todas, por assim dizer, na origem dos tempos; mas o origina num eterno "agora" (et nunc et sempre - agora e sempre), "num ato jamais interrompido, que continuará sem fim, como o próprio Ser divino, do qual, na realidade, não se distingue". A cada instante, o Pai pode dizer: "Tu és meu Filho: eu hoje te gerei" (Sl 2,7). 
Entre o Pai e o Coração de Jesus, há um relacionamento de paternidade/filiação, que constitui tudo o que são o Pai e o Filho naquilo que os pessoaliza e distingue ( a Paternidade é tudo o que faz o Pai ser Pai; a Filialidade é tudo o que faz o Filho ser Filho). (RANGEL, 1993)




Notas:

Alocução do Angelus - São João Paulo II

RANGEL, Paschoal. Sagrado Coração do Homem. Belo Horizonte: O Lutador, 1993.

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