sábado, 4 de junho de 2016

Coração de Jesus, no qual o Pai põe as suas complacências

Coração de Jesus, "no qual o Pai celeste pôs a sua complacência..."

A expressão é bíblica e encontra-se várias vezes na Escritura, nos ensina o Padre Paschoal Rangel (1993). Vejamos este comentário do Pe Paschoal, e depois, a meditação de São João Paulo II. Escreve o Pe Paschoal:
No Antigo Testamento, nas profecias messiânica do Servo de Javé: "Eis o meu Servo, meu Eleito, no qual minha alma se compraz. Coloquei sobre ele o meu espírito" (Is 42,1). Os Evangelhos Sinóticos a repetem na cena do Batismo de Jesus (Mt 3,17; Mc 1,11; Lc 3,23). E no contexto da Transfiguração de Jesus, a expressão reaparece em Mt 17,5; 2Pd 1,17. 
O Batismo e a Transfiguração se encontram num contexto, não de agrado ou santidade pessoal de Jesus, mas de significado messiânico. O Pai se agrada de seu Filho de modo único, mais do que de qualquer outra coisa ou pessoa, porque o Filho aceita e faz sua vontade, cumpre o seu plano de salvação. 
Preste-se atenção nos versículos 14-15 do capítulo 3 de São Mateus, que antecedem à declaração do Pai: "João se recusava a batizar Jesus. Então, este lhe diz: "Deixa estar por enquanto, pois nos convém cumprir toda a justiça". Esta "justiça", sobre que São Mateus gosta de falar palavra tão marcadamente bíblica e mateiana, significa, por um lado, a fidelidade de Deus que não deixará de retribuir a cada um de acordo com sua promessa, sua palavra; por outro, significa a realização do plano redentor. "Cumprir toda a justiça" é entregar-se à vontade do Senhor, praticar seus mandamentos, realizar seu projeto de salvação, mesmo no que tem de mais áspero e repugnante. 
Ser batizado por João pode ser uma humilhação para Jesus (o próprio João o sente e lhe diz que não fizesse isso, que ele (João) é que precisava de ser balizado por Jesus). Mas Jesus aceita a vontade de Deus. Mais: faz questão de realizar a "justiça", isto é, o programa salvífico até o fim, minúcia por minúcia. 
Por isso é que o Pai o ama. Por isso é que o Pai se compraz nele; antes, põe nele TODA a sua complacência. O Pai ama em Cristo o Messias, o Filho que cumpre a missão. Não são apenas os exegetas modernos que vêem essa ligação entre o agrado do Pai e a obra redentora. Já um antigo comentador da Bíblia, antigo e ótimo, o Pe Juan Maldonado, chamava a atenção para isso: o agrado do Pai, em Cristo, quer dizer que ele se sente, no Filho e por causa dele, "reconciliado" com o mundo.Nessa "complacência", nesse "agradar-se" por parte do Pai, está incluída a disposição de nos perdoar. O Pai está de tal forma satisfeito com o Filho feito homem, todo e amorosamente entregue à vontade e ao plano redentor, que quer perdoar-nos. 
Poderíamos até esboçar aqui, a partir dessa complacência, desse Coração de Jesus, no qual o Pai celeste pôs todo o seu agrado, uma teologia da reconciliação. Pois, como disse um comentarista italiano moderno, Ortensio da Spinetoli, "o batismo de Jesus não é uma purificação, mas um ato de "justiça".

Meditação de São João Paulo II:
1. Rezando assim particularmente ao longo do mês de junho, meditamos sobre a complacência eterna do Pai para com seu Filho. Deus de Deus, Luz nascida da luz. Essa complacência significa igualmente Amor, ao qual a vida deve tudo o que existe. Sem o Amor e sem o Verbo Filho, "nada foi feito" (Jo 1,3). A complacência do Pai encontrou sua manifestação na obra da criação, em particular na criação do homem, quando Deus "viu que tudo o que fizera era bom... era muito bom" (Gn 1,31). Não é o Coração de Jesus o "lugar" em que o homem pode encontrar a confiança plena em relação a tudo o que foi criado? Ele vê os valores, admira a ordem e a beleza do mundo. Descobre o sentido da vida. 
2. Vamos às margens do Jordão. Vamos ao monte Tabor. Num e noutro acontecimento descritos pelos evangelistas, a voz do Deus invisível se faz ouvir. É a voz do Pai. 
"Este é meu Filho muito amado, que tem todo meu favor, escutai-O" (Mt 17,5).
A eterna complacência do Pai acompanhou seu Filho desde que Ele se fez homem, quando aceitou realizar no mundo a obra messiânica, quando disse que seu alimento era fazer a vontade do Pai. Cristo realizou essa vontade fazendo-se obediente até a morte na cruz. Desde então, a eterna complacência do Pai em seu Filho - mistério íntimo do Deus-Trino - faz parte da história do homem. O Filho fez-se homem e como tal tem um coração de homem, pelo qual amou e respondeu ao amor; primeiramente ao amor do Pai. Eis por que a benevolência do Pai se concentrou no Coração de Jesus. É a benevolência salvífica. Por ela, com efeito, o Pai abraça - no Coração de Seu Filho - todos aqueles pelos quais o Filho se fez homem; todos pelos quais morreu e ressuscitou. No Coração de Jesus, o homem e o mundo reencontram a benevolência do Pai. É o Coração de nosso Redentor, o Coração do Redentor do mundo. 
3. Em nossa oração do Angelus Domini unamo-nos a Maria, em quem o Filho de Deus assumiu um coração humano. Peçamos que Ela nos aproxime de seu Filho para que, no Coração do Filho, ela faça chegar até o homem e até o mundo a complacência do Pai o amor do Pai, a misericórdia de Deus. (Angelus - 22 de junho de 1986)

Notas:

RANGEL, Paschoal. Sagrado Coração do Homem. Belo Horizonte: O Lutador, 1993.

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