sábado, 4 de junho de 2016

Coração de Jesus, Nossa Vida e Ressurreição

Diz-lhe Jesus: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida". Ninguém vai ao Paia não ser por mim. (Jo 14,6)
Meditação de São João Paulo II:

1. Essa invocação da ladainha do Sagrado Coração, forte e convicta como um ato de fé, encerra numa frase lapidar todo o mistério do Cristo Redentor. Lembra as palavras de Jesus dirigidas a Marta, desolada pela morte do irmão Lázaro: "Eu sou a ressurreição. Quem crê em mim, mesmo que esteja morto, viverá" (Jo 11,25).
Jesus é a vida, que jorra eternamente da fonte divina do Pai. "No começo era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus (...) De todo ser era a vida, e a vida era a luz dos homens" (Jo 1,1-4).
Jesus é a vida em si mesmo. "Como o Pai dispõe da vida, assim deu ao Filho dispor dela também" (Jo5,26). No mais íntimo de Cristo, em seu Coração, a vida divina e a vida humana se conjugam harmoniosamente, numa união completa e indissolúvel.
Mas Jesus é também vida para nós. "Dar a vida" é o fim da missão que Ele, o Bom Pastor, recebeu do Pai. "Eu vim para que as ovelhas tenham a vida, e a tenham em abundância" (Jo 10,10).
2. Jesus é também a ressurreição. Nada é tão radicalmente contrário à santidade de Cristo - o Santo do Senhor (Lc 1,35; Mc 1,24) - quanto o pecado. Nada é tão oposto a ele, fonte da vida, quando a morte.
Um laço misterioso liga o pecado e a morte (Sb 2,24; Rm 5,12...). Ambos são uma realidade essencialmente contrária ao projeto de Deus sobre o homem, que não foi feito para a morte, mas para a vida. Diante de toda expressão de morte, o Coração de Jesus se comovia profundamente, e por amor ao Pai e aos homens, seus irmãos, fez de sua vida um "prodigioso duelo" contra a morte (Missal romano, sequência da Páscoa). Com uma palavra restituir a vida física de Lázaro, ao filho da viúva de Naim, à filha de Jairo. O poder de seu amor misericordioso restituiu a vida espiritual a Zaqueu, a Maria Madalena, à mulher adúltera e a todos os que souberam reconhecer sua presença salvífica.
3. Irmãos e irmãs! Ninguém teve como Maria a experiência do Coração de Jesus como vida e ressurreição.
Por ele - vida -, Maria receber a vida da graça original e, na escuta de sua palavra e na observação atenta de seus gestos salvíficos, ela a pôde conservar e desenvolver.
Por ele - ressurreição -, ela foi associada de modo particular à vitória sobre a morte. O mistério de sua Assunção em corpo e alma ao céu é o testemunho consolador de que a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte prolonga-se nos membros de seu Corpo místico, primeiramente em Maria, "membro supereminente" da Igreja (Lumen Gentium, 53). 
Glorificada no céu, a Virgem está, com seu Coração de Mãe, a servição da redenção operada por Cristo. "Mãe da vida", está próxima de toda mulher que dá à luz uma criança e junto a todas as fontes batismais em que, pela água do Espírito (Jo 3,5), nascem os membros de Cristo. "Saúde dos Enfermos", ela está onde a vida desfalece, atingida pela dor e pela doença. "Mãe de Misericórdia", chama os que caíram sob o peso das faltas a voltar às fontes da vida. "Refúgio dos Pecadores", indica a todos os que se afastaram o caminho de retorno a Cristo. "Virgem das dores", perto de seu filho agonizante (Jo 19,25), está onde a vida se extingue. Invoquemo-la com a Igreja: "Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pobres pecadores, agora e na hora de nossa morte".
(Angelus - 27 de agosto de 1989)

Escreve o Padre Paschoal Rangel:
Embora possamos falar de Cristo, nossa vida, mesmo no sentido cósmico (Ele é o primogênito de toda criatura, segundo São Paulo, além de termos, todos e tudo, vindo à existência pela força do Verbo da Palavra de Deus) - a Ladainha certamente se refere, nesta invocação, à vida espiritual, àquilo que chamamos graça, dinamismo da graça divina, força que destrói "os poderes e forças" deste mundo sujeito à morte e ao pecado. 
Os antigos Padres e Doutores da Igreja, alimentados de São Paulo até a medula, tinham uma percepção quase física de nossa incorporação a Cristo. Santo Ambrósio dizia que "nós, membros de Cristo, somos sua carne e seus ossos". São Cirilo de Jerusalém ensinava aos catecúmenos: "Ao receberes o corpo e o sangue de Cristo, és concorpóreo dele e seu consanguíneo e nos tornamos cristíferos (portadores de Cristo), com seu corpo e sangue espalhados por nossos membros. Com isso, segundo São Pedro, nos tornamos participantes da natureza divina". Santo Agostinho, então, nem se fala. Suas obras estão repletas de expressões inculcando essa incorporação em Cristo Jesus: "Corporando-nos a si, fez com que, nele sejamos Cristo também nós". E já nem diz: sejamos de Cristo, ou sejamos Cristos, mas sejamos Cristo. Pela graça, é claro, isto é, por uma forma de participação à natureza divina ou divinizada de Cristo Jesus. A graça é, muito especialmente, isto: im dom gratuito, generoso, do amor de Deus ao homem. Mas a graça por excelência, já o notaram alguns grandes teólogos da Igreja, aconteceu quando o Filho de Deus, Deus verdadeiro ele mesmo, se entregou por inteiro ao homem Cristo Jesus. E de tal modo se entregou que, de então em diante, "Deus não se pertence a si, mais do que pertence a essa humanidade sagrada". "Aí se encontra a graça, mas a graça em sua verdade mais elevada, em seu mais sublime exemplar. É o que observa Santo Agostinho depois de Orígenes".
O grande e principal exemplo da graça, pela qual, sem nenhum mérito, o homem se torna Deus, é o Cristo: nele ela se manifestou de forma originária". Com efeito, o dom de Deus a Jesus é infinitamente gratuito. Sua humanidade não fez nem pôde fazer nada para merecê-lo. Nem sombra de mérito, sequer uma prece, um desejo, um olhar: a união hipostática, isto é, a união pessoal do Verbo divino com a humanidade de Cristo, é pura graça. Não houve nada prévio, senão o amor infinito e unilateral de Deus para com aquele homem. Aquele ser que seria tomado pela divindade, não era nada em si mesmo. Nada dele existia por antecipação. Ele eclodiu, por assim dizer, exatamente no instante em que Deus o possuiu; ele acordou para a existência, já homem-Deus. Cristo não teve tempo - se me permitem essa inevitável incapacidade de falar - para merecer essa explosão de graça. 
Pois bem, esse Cristo graça, vida, ressurreição, vitória sobre a morte e seus poderes é o Cristo que nós somos, por graça dele. Uma graça que brota da Cabeça e se derrama por todos os membros. Da mesma graça, do mesmo Espírito do qual renascemos, nasceu o Cristo. Somos-lhe concorpóreos e consanguíneos. Como São Paulo, cada um de nós pode dizer: "Minha vida é Cristo" (Fl 1,21). "Sim, eu vivo, mas não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim" (Gl 2,20). Ora, ele é a ressurreição e a vida (Jo 11,25). Mais: ele é nossa vida e ressurreição.


Notas:

RANGEL, Paschoal. Sagrado Coração do Homem. Belo Horizonte: O Lutador, 1993.

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