sábado, 4 de junho de 2016

Coração de Jesus, Vítima dos Pecadores

Ele é vítima de expiação pelos nossos pecados. E não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo. (1Jo 2,2)
Meditação de São João Paulo II:

1. Caríssimos irmãos e irmãs, essa invocação da ladainha do Sagrado Coração lembra-nos que Jesus, segundo a palavra do apóstolo Paulo, foi entregue "por causa de nossas faltas", apesar de nunca ter cometido pecado algum. Deus "o fez pecado por nós".
Sobre o Coração de Jesus, pesa esmagadoramente o peso do pecado do mundo.
Nele se realizou de modo perfeito a figura do "cordeiro pascal", vítima oferecida a Deus para que sob o sinal de seu sangue fossem poupados os primogênitos dos judeus (Ex 12,21-27). É por isso que João Batista reconhece justamente nele o verdadeiro "Cordeiro de Deus" (Jo 1,29) - cordeiro inocente, que assumira sobre si o pecado do mundo para mergulhá-lo nas águas salutares do Jordão (Mt 3,13-16). Doce cordeiro, "conduzido ao matadouro como ovelha muda diante de seus tosquiadores" (Is 53,7), porque ele se ofereceu "livremente à sua paixão" (Missal Romano, Prefácio Eucarístico II) como vítima de expiação pelos pecados do homem (Lv 1,4; Hb 10,5-10), pecados que consumiu no fogo de seu amor.
2. Jesus, vítima eterna, ressuscitado e glorificado, conserva em seu corpo imortal as marcas das chagas das mãos e dos pés atravessados pelos cravos, do lado traspassado (Jo 20,27; Lc 24,39-40), e as apresenta ao Pai numa incessante oração de intercessão a nosso favor (Hb 7,25; Rm 8,34).
A admirável sequência da missa da Páscoa, lembrando-nos esse fato de nossa fé, nos exorta: "Que se ofereça hoje à vitima pascal o sacrifício de louvor. O cordeiro resgatou seu rebanho. O inocente nos reconciliou, a nós pecadores, com o Pai".
E o prefácio dessa solenidade proclama: Cristo é o "verdadeiro cordeiro que tirou os pecados do mundo; morrendo, ele destruiu a morte, e ressuscitando deu-nos a vida".
3. Irmãos e irmãs, nesta hora de oração mariana, contemplamos o Coração de Jesus vítima de nossos pecados. Antes de todos e mais profundamente que todos, sua mãe sofrendo o contemplou. A liturgia diz a esse respeito: "Pelos pecados de seu povo, ela viu Jesus nos tormentos do duro suplício" (sequência "Stabat Mater", estrofe 7).
Relembrando a presença intrépida da Virgem sob a Cruz do Calvário, pensamos com imenso reconhecimento que naquele momento o Cristo agonizante, vítima dos pecados do mundo, confiou-nos sua Mãe: "Eis aí tua Mãe" (Jo 19,27).
Confiamos nossa oração a Maria, enquanto dizemos a seu filho Jesus: Coração de Jesus, vítima de nossos pecados, acolhei nosso louvor, nossa gratidão eterna, nosso arrependimento sincero. Tende piedade de nós, hoje e sempre. Amém.
(Angelus - 10 de setembro de 1989)

Escreve o Padre Paschoal Rangel:
Tendo assumido a missão de nos redimir, Jesus se fazia inevitavelmente vítima de nossos pecados."Éramos, por natureza, filhos de ira" - lembra São Paulo (Ef 2,3). E só Deus nos podia livrar dessa situação. E Ele o fez com muito amor, escolhendo o caminho da "reparação", que salvasse igualmente a misericórdia e a justiça. Caminhos de Deus, imperscrutáveis. "Não quiseste nem vítima nem oblação: não te agradaste dos holocaustos pelo pecado. Então eu disse: "Eis-me aqui. Eis que venho para fazer, ó Deus, a tua vontade". Então tu me formaste para isso um corpo" (Hb 10,5-8).Pio XI, que recorda estes textos e esta verdade, acrescenta: "E com efeito, 'carregou realmente com as nossas enfermidades e as nossas dores' (Is 53, 4-5); "levou nossos pecados em seu corpo ao madeiro" (1Pd 2,24); "rasgando a sentença lavrada contra nós, eliminou-a, cravando-a no patíbulo" (Cl 2,14), "a fim de que, mortos ao pecado, vivamos para a justiça" (1Pd 2,24). (Pio XI, Miserentissimus Redemtor). 
Vítima dos pecadores, tende piedade de nós - sentimos vontade de rezar. Sobretudo, quando nos lembramos de que Jesus não foi vítima apenas no passado, mas o continua sendo ainda hoje. As revelações dele a Santa Margarida Maria chegam a repugnar à sensibilidade atual, a gente nem gosta de reler aquelas palavras, que mais parecem gritos de torturado: "Eis o Coração - diz ele - que tanto amou os homens, a quem encheu de inúmeros benefícios, e que, em troca de seu amor infinito, em vez de reconhecimento, só recebe indiferença, ofensas, esquecimento. E é assim que lhe respondem até mesmo aqueles que (pelo amor privilegiado que recebem) lhe deveriam responder com especial amor" (Cit em Miserentissimus Redemptor). O Papa não quis descer a algumas particularidades dessas queixas, mas Jesus se lamentava, muito em especial, do sofrimento que lhe causavam a frieza, a displicência e o pecado, até mesmo os sacrilégios de pessoal especialmente consagradas: "Eis as feridas que recebo de meu povo eleito. Os outros se satisfazem em ferir meu corpo; estes, porém, atacam meu Coração". "Meu povo eleito me persegue secretamente".Essas expressões, na verdade, não fazem mais que reproduzir palavras reveladas: "Homens mentirosos me rodeavam, e os ímpios que pensam mal no seu coração, me cercavam com seus ódios". "Pois se o meu inimigo me amaldiçoasse, eu aguentaria sem dúvida; e se se tivesse levantado contra mim aquele que me odiava, eu me esconderia dele talvez. Mas logo tu, meu companheiro, gente de minha casa, conhecido meu... tantas vezes, juntos, nos alegramos como dois amigos e rezamos unidos na casa de Deus" (Sl 24,13-15). 
Pio XII, no texto talvez mais importante que se publicou sobre o Coração de Jesus, a Encíclica Haurietis Aquas, se compraz longamente em mostrar o coração humano, humanissimo, de Jesus , a sua enorme e real sensibilidade, que certamente o fez sofrer, e muito, com a indignidade e a indiferença dos homens, durante sua vida mortal. Uma verdade dogmática indiscutível garante o realismo dos sentimentos, da dor, do amor, das emoções de Jesus Cristo. 
Pois bem, esse Coração de Cristo, que sentia, amava e sofria de amor por causa de nós homens, durante sua vida mortal, "continua a participar agora e não deixará de participar por toda a eternidade", dos sentimentos que os Evangelhos descrevem ou as próprias palavras do Senhor demonstram: "Nessas palavras e nessas obras, como diz Gregório Magno, manifesta-se o próprio Coração de Deus" E o Papa Pio XII cita o seu ilustre antecessor: "Conhece o coração de Deus nas palavras de Deus, para que, com mais ardor, suspires pelas coisas eternas".Esse amorável Coração de Cristo continua "trabalhando", em sua Igreja, pela nossa redenção, e infelizmente, recebendo a mesma resposta indiferente, desrespeitosa ou sacrílega dos homens de hoje que, se não o podem mais magoar em sua condição de ressuscitado, já o magoaram sem dúvida na hora da Paixão e Morte. Não é possível que a Jesus seja indiferente o nosso comportamento, a um Jesus que, segundo São Paulo, nos ama pessoalmente, um a um: "Ele me amou e se entregou por mim" (Gl 2,20). Isto o tornou vítima dos pecadores, não apenas nem principalmente, no sentido popular e meio sentimental, mas no sentido forte e teológico de hóstia sacrifical, que se oferece ao Pai sem cessar para reparação do pecado e reconciliação dos pecadores.


Notas:

RANGEL, Paschoal. Sagrado Coração do Homem. Belo Horizonte: O Lutador, 1993.

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